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Anedonia

Não quis falar. Nada lhe interessava: política, romances, dinheiro ou qualquer assunto. Tornou-se pedaço de pele inerte, expressão da apatia ou, para uma definição mais correta, tinha a expressão de coisa nenhuma. Das poucas energias, lhe restava apenas certo tipo de humanidade, queria saber do bem estar alheio. Não conseguia imaginar outra pessoa sofrendo de tamanha tristeza, que na verdade era sua. A isso, caro leitor, não se confunda com nobreza de espírito, nem lhe atribua glórias pessoais.
Alcança aquela figura sentada, vagueando o nada com as vistas? Nem sempre foi assim. Por muitos anos, que a própria criatura julgava ser todo o sempre, e possivelmente fosse, travou batalhas internas entre os muitos de seus eus. Alguns tão belos, outros, autodestrutivos. Suponho que um mau gênio esteja lhe sobressaindo nos últimos anos, um ego cansado; tentando destruir a si mesmo e a todos os outros.
Em seus piores momentos, não temeu nem mesmo o inferno. Por vezes, em sua loucura, desejou o umbral, dizendo ser difícil demais andar sob a luz do sol fingindo viver em um mundo, cuja sua alma adoecida não pertencia. Preferia o padecimento, ainda que este lhe relegasse cruel estadia. Pode imaginar o desequilíbrio que acomete o portador dessas culminâncias?
Por sorte, não é pessoa ruim, no geral, estes não são. Ao contrário do que se prega, isso não mede caráter. Tinha um fio de bom senso e empatia. Preocupou-se, não queria que a dor transbordasse inundando outros corpos. Não queria separações. Reconhecia a sandice e seguia em frente, tentando se recuperar, não por si, por outros.
Perdera a conta de quantos lugares procurou e dobrou os joelhos em busca de redenção. Disse-me que já teve a alma bela. Perdida, ela afirma procurar dentro de si um momento de seu passado onde pudesse resgatar sua divindade e lá ficar em resguardo. Talvez, agora, esteja nessa busca interna.